domingo, 15 de agosto de 2010

A universidade pública forte

"O nosso sistema universitário público merece fazer parte do debate
eleitoral"


Nestes últimos anos, um dos fenômenos mais dignos de nota foi o
fortalecimento da universidade pública graças a um importante ciclo de
expansão e interiorização do sistema federal. Tal fenômeno merece estar
presente na pauta do debate eleitoral que se inicia.
Em 2002, as universidades públicas federais encontravam- se em situação
terminal. O deficit de professores necessários para simplesmente conservar o
sistema tal como era nos anos noventa chegava a 7.000. Talvez alguns se
lembrem do caso de universidades que precisaram limitar sua atividade
noturna por não ter dinheiro para pagar conta de luz.
No lugar das universidades públicas, vimos uma política que incentivava a
proliferação de universidades privadas, em larga medida, dissociadas do
tripé pesquisa/docê ncia/extensã o e cuja qualidade, até hoje, não passou o
estágio do duvidoso.
É bem provável que esta experiência tenha mostrado que o sistema privado
sai-se muito bem quando é questão de criar centros direcionados à formação
para o mercado (como escolas de administração de empresas, publicidade,
comunicação, economia, entre outros).
Mas, excetuando as universidades confessionais, os resultados são ruins
quando se trata de implementar sistemas universitários complexos capazes de
atrair profissionais dispostos a desenvolver habilidades de professor,
pesquisador e divulgador de conhecimento.
Alguns criticam o processo recente de ampliação e fortalecimento da
universidade pública afirmando que se tratam de universidades caras e de
baixa capacidade de absorção das exigências de empregabilidade. No entanto,
o sistema universitário público brasileiro é, em larga medida, adequado para
os desafios do nosso futuro. Ele garante autonomia de pesquisa ao corpo
docente, flexibilidade relativa de escolha de disciplinas para alunos (o que
permite particularizaçã o da formação), além de abertura para a constituição
de estruturas interdisciplinares.
Não precisamos discutir o modelo universitário público, mas aprofundá-lo,
permitindo que ele democratize seus modos de gestão, de decisão e que enfim
desenvolva todas suas potencialidades e pluralidades.
Por exemplo, vez por outra, aparece alguém afirmando que seria melhor às
universidades públicas terem ligação mais profunda com o mercado, um pouco
como certas universidades norte-americanas, cuja boa parte de suas linhas de
financiamento depende da capacidade em captar recursos da iniciativa
privada.
No entanto, seria interessante perguntar a estas pessoas quem então pagará
pesquisas que visam mostrar a ineficácia de tratamentos do sofrimento
psíquico baseados na medicalização. Certamente, não a indústria
farmacêutica. E quem pagará as pesquisas que mostram a participação do
empresariado nacional na Operação Bandeirantes e no financiamento do aparato
repressivo da ditadura militar? Certamente, não o empresariado nacional. E
quem pagará as pesquisas que visam expor os resultados catastróficos da
liberação das ações do sistema financeiro em relação à tutela do Estado?
Certamente, não os bancos.
Estes são apenas alguns exemplos de limitação do espectro de reflexão da
universidade caso um novo modelo se imponha e caso relações de parceria
entre mercado e universidade se transformem em confissões de dependência.


*VLADIMIR SAFATLE* é professor no departamento de filosofia da USP

Fonte: Folha de São Paulo.

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